
No jornalismo declaratório, que pede para as figuras públicas da política opinar sobre os fatos, a reação do silêncio, do nada a declarar, emerge como uma espécie de covardia. Uma conveniência explícita que grita no silêncio da não declaração. i5n71
Pedro Pinto de Oliveira 183a4o
Pensar Contemporâneo
No universo digital das redes sociais ter opinião formada sobre tudo é um imperativo. Opinar para agradar os seguidores e ganhar os likes das respectivas bolhas. Se a oportunidade surgir, além de opinar, fazer valer o plus de lacrar o adversário da hora.
Em óbvio há a opção de se calar, se omitir, não se posicionar diante de um fato, ainda que isso possa parecer estranho na sociedade mediatizada contemporânea onde todos opinam sobre tudo.
As figuras públicas da política são um caso a parte. Estão sempre convocadas a se posicionar sobre fatos porque é da natureza do mandato popular que lhes foi conferido. Devem dar a conhecer o que pensam para eleitores, cidadãos, contribuintes, no conjunto da sociedade e não apenas para as suas bolhas e não apenas quando acharem que for conveniente falar só sobre algo do seu interesse pessoal e político.
No chamado “jornalismo declaratório”, que pede para as figuras públicas da política opinar sobre os fatos, a reação do silêncio, do nada a declarar, emerge como uma espécie de covardia. Uma conveniência explícita que grita no silêncio da não declaração.
A Gazeta Digital registra um episódio desta natureza do “nada a declarar”, com o deputado federal Fábio Garcia (União).
Nas movimentações para disputar a Prefeitura de Cuiabá em 2024, o deputado federal Fábio Garcia (União) evitou comentar sobre o projeto de Lei que busca proibir o transporte do pescado por 5 anos em Mato Grosso. Com foco nas eleições, o político não quer desgaste.
“Essa é uma pauta que está sendo discutida no âmbito estadual. Compete à Assembleia Legislativa aprovar ou não. Eu trato das pautas nacionais e eles das estaduais”, respondeu.
O projeto em questão foi denominado “Transporte Zero” e deve valer a partir do dia 1º de janeiro de 2024. Texto proíbe o transporte, armazenamento e comercialização do pescado pelos próximos 5 anos. Nesse período, será permitida a modalidade pesque e solte, assim como a pesca de subsistência.
No caso dos pescadores artesanais, o projeto do governo estabelece o pagamento de auxílio financeiro por 3 anos. Sendo um salário mínimo (R$ 1.320) no primeiro ano, R$ 660 no 2º ano e R$ 330 no terceiro ano. Já os últimos dois não, os pescadores não terão nenhum auxílio do governo.
A comunidade ribeirinha e parlamentares contestam a proposta, sob o argumento de que não houve estudos científicos e criticam o valor baixo do auxílio que o governo oferece aos pescadores.
Toda omissão é, em si, uma ação. O silêncio e as desculpas para o silêncio revelam as motivações e valores das figuras públicas da política. w4m3w
Outro exemplo foi registrado pela repórter Safira Campos, do PNB Online, de uma “não declaração” do deputado federal bolsonarista José Medeiros (PL).
Ao ser questionado sobre o desrespeito a gravidade da declaração ofensiva do deputado estadual Gilberto Cattani (PL), que comparou mulheres a vacas no último mês, Medeiros se esquivou de comentar o ocorrido. Ele foi questionado durante o Encontro Estadual do PL Mulher em Mato Grosso, que contou com a participação de Michelle Bolsonaro, no último dia 3 de junho.
A alegação de Medeiros foi emblemática do silêncio conveniente, usando o argumento de que desconhecia o escandaloso episódio envolvendo Cattani , polêmica que ocupou a mídia e as redes sociais em Mato Grosso:
“Eu não acompanhei o caso. Eu estava muito atarefado em Brasília, mas o que eu senti de lá foi muita politização [do caso]. Com certeza o Cattani vai saber falar melhor do que eu, que acabei de chegar e não sou a pessoa mais adequada para falar sobre”, disse.
Medeiros foi perguntado sobre uma série de gestos agressivos de desrespeito às mulheres de Mato Grosso feitos pelo seu colega bolsonarista, mas o campeão de opinião sobre qualquer coisa preferiu se calar.
Toda omissão é, em si, uma ação. O silêncio e as desculpas para o silêncio revelam as motivações e valores das figuras públicas da política.